Por: Chandler Burr
A pedido da Atualidade Cosmética, Chandler Burr,
único crítico de perfumes de um grande veículo de comunicação do planeta, faz
uma análise de sete perfumes femininos brasileiros. descubra o que ele sentiu e
achou sobre essa amostra da produção local (Artigo publicado originalmente na
edição 120 - julho/agosto 2011, de Atualidade Cosmética)
"Humor!” (2009, Natura) (foto 1) é a resposta
brasileira pra o “Happy”, Clinique – não a fragrância feminina, mas a
masculina, que é superior à feminina e um dos melhores perfumes, para ambos os
sexos, existente no mercado. “Happy” é uma fragrância americana esportiva que
transcende o gênero; ela entrega a sensação “clean” (de “limpeza”) sem aquele
cheiro de “sabonete desodorante”, acrescentando-lhe uma fluorescência frutal. Se
tangerina e pera fossem cores e você pudesse trasnsmiti-las via ondas de rádio,
você seria capaz de ouvir “Happy”.
“Humor! 5”
foi criada com a mesma proposta, à exceção do aspecto frutal, mas o problema é
dinheiro. Posso até estar errado, porém ele cheira como se a perfumista Magali
Lara tivesse um grande plano, mas não pudesse construir a máquina que queria
porque a Natura não lhe deu a quantia suficiente de dinheiro para utilizar um
maior volume de matérias-primas caras que ela precisaria para construir uma
fragrância de nível superlativo. Não estou dizendo aqui que a Natura errou.
“Humor!5”
pode estar perfeitamente precificado para seus consumidores-alvo. E o perfume
fornece uma versão cujo desenho é bem bacana. Porém, cerca de três minutos
depois de você borrifá-lo, a qualidade despenca, deixando apenas uma versão
química da efervescência clean/tangerina/pera. E aí você se dá conta: a
carroçaria dessa fragrância parece a de uma Ferrari, só que a Natura não pagou
para colocar um motor Ferrari nela. Sinto que a Água de Cheiro pagou uma
quantia similar pelo “Attractive” (2007), (foto 2) que é, igualmente, uma boa
ideia que teve pouco dinheiro para ser desenvolvida corretamente. “Attractive”
é um interessante new-powder minimalista, pós-moderno em sua rejeição a tudo
que possa ser entendido tradicionalmente como “perfume”: não contém flores, nem
frutas vermelhas, nada que você possa identificar. E sua suave e interessante
“pegada”sintética lembra leite derramado sobre fibras de rayon (NE: seda
artificial). Duvido, no entanto, que o perfumista Mariano Cazanave tivesse a
intenção de deixar na sua criação esse aspecto químico mal acabado.
No contraponto, “Lily Essence” (foto 3) e “Floratta
in Rose Belle” (2006 e 2011, O Boticário) são perfeitamente identificáveis aos
florais de masstige contemporâneos, um estilo que dá a você a ideia de uma
flor, enquanto removido todo traço de complexidade, profundidade ou de crueza
das flores reais. O floral masstige é, na melhor das hipóteses, bonitinho, como
uma garota com uma pele boa e limpa, um sorriso brilhante e sem pensamentos
brilhantes em sua cabeça, que também é bonitinha: você até topa sair com a moça
para tomar uns drinques, mas, não necessariamente, quer sentar do lado dela
pelo tempo de um jantar inteiro. Por outro lado, às vezes um murmúrio calmo
feminino pode ser a coisa certa. E “Lily Essence” murmura de forma muito
agradável.
Uma observação: “Lily Essence” se “afasta” da cena
muito mais rapidamente do que o “Attractive”, que tem uma fixação absolutamente
notável sobre a pele. Não estou muito certo de como Cazanave conseguiu esse
feito, mas sua “máquina” ronrona ininterruptamente por horas, sem nenhuma
falha. Fixação é uma qualidade técnica muito difícil e geralmente muito
importante, e os perfumistas tentam maximizá-la, porque seus clientes, que
pagam pelos perfumes, querem que eles durem.
Infelizmente, “Angico Branco” (2010, Mahogany) (foto
6) é um perfume extremamente persistente, sem ser adorável. O website Beleza
Inteligente descreve o perfume assim: “Frutas, flores e madeira - itens
perfeitos para perfumar e deixar as mulheres ainda mais interessantes e
misteriosas”. Soa muito bem. E segue dando a lista dos ingredientes:
“mandarina, bergamota, pêssego, jasmim, rosa, muguet, ameixa, vetiver, musk e
baunilha”. Isso ilustra a idiotice que é listar ingredientes com o objetivo de
descrever um perfume, uma abordagem tão estúpida como a de descrever um carro
listando “aço, vidro, óleo de motor e plástico”. Todos os carros usam esses
materiais. O que importa é o carro em si; eu ofereço a você uma escolha entre
aço, vidro, óleo de motor e plástico transformados pela Mercedes em uma 500SL
ou pela Lada em um Kalina. Faça sua escolha.
Nunca senti o cheiro da madeira de angico, mas parece
ser muito interessante, algo com um alto teor de tanino e um gosto amargo. Se
fosse assim, eu ficaria surpreso caso a madeira tivesse o aroma de “Angico
Branco”, um perfume estranho e desagradável, que, para mim, tem um cheiro entre
tinta para móveis de aço e maquiagem. Ele é persistente, difuso, tem excelente
estrutura (não se perde e não se deteriora), mas eu ficaria surpreso se
encontrasse alguém que dissesse que ele é agradável. Embora, obviamente, tenha
sido do agrado do pessoal da Mahogany.
“Perfume do Brasil Priprioca” (2004) (foto 7) foi criado pelo perfumista Olivier
Pescheux, cujos talentos a Diptyque (NE:
legendária marca francesa de perfumes) foi inteligente o suficiente para
utilizar em numerosos e surpreendentes trabalhos, traduzidos em perfumes de
sutileza encantadora: “L’Eau des Hespérides” e “L’Eau de Tarocco” são obras de
iluminismo do século 21. Algumas das matérias-primas foram usadas de forma
pura, como teriam sido utilizadas na concepção de um perfume no início do
século 19. Por isso são facilmente identificáveis como versões naturais
olfativas delas mesmas: essência de canela, como canela; limão, como limão. Contudo,
cada uma delas também acaba ficando virtualmente irreconhecível na composição
do perfume, emanando luz própria através de lentes de cristal independentes,
cada uma com sua própria beleza, de maneira às vezes cortante ou de picante
luminosidade, como um citrino que brilha. “Vetyverio”, criado por Pescheux pra
a Diptyque, é um dos melhores trabalhos já feitos com a matéria-prima vetiver,
uma erva tropical.
Se você for criar um perfume e anunciá-lo como “Feito
com óleos essenciais 100% brasileiros (...) e inéditos na perfumaria mundial”,
fale, então, sobre priprioca, que “reúne a riqueza das matas e a tradição dos
povos da floresta”. Aí, Pescheux é o cara que você está procurando. Seus
talentos parecem particularmente perfeitos para trabalhar com a priprioca, uma
planta perfumada encontrada apenas na floresta tropical brasileira, que tem
aroma de madeira e especiarias. Quiseram um perfumista que pudesse mostrá-la
como uma matéria-prima.
Novamente, o problema é que a Natura parece ter
calculado que a “riqueza” de seus consumidores era menor do que a “riqueza” da
floresta brasileira. E, assim, “Priprioca” é apenas bem feito. Só isso.
Sente-se o cheiro de uma certa falta de dinheiro para inclusão dos materiais
mais refinados, mas isso talvez não importe, assim como não importa para
“Evolution” (2010, L’Acqua di Fiori), (foto 4) a sofisticada “vou fazer compras
na cidade” versão de “Priprioca”, ou “vou voltar para a natureza no spa”. Ambos
os perfumes falam aos seus consumidores. “Evolution” é uma versão cítrica de
“Lily Essence”, e ela cumpre esse papel competentemente, fresca, mas com peso
suficiente para ancorá-la à pele. De forma clara, o desejo da L’Acqua di Fiori
é dar às mulheres um perfume que deixe os homens com vontade de ficar ao lado
delas, mesmo depois que os drinks e o jantar tiverem acabado.
*** Chandler Burr é diretor do Centro de Arte
Olfativa do Museu de Artes e Design da cidade de Nova York, EUA. Entre os anos
de 2006 e 2010, Burr atuou como crítico de perfume para o jornal The New York
Times. Ele também escreveu dois
livros acerca da indústria do perfume: “The Emperor of Scent: A True Story of
Perfume, Obsession, and the Last Mystery of the Senses”, em 2003; e “The
Perfect Scent: A Year Inside the Perfume Industry in Paris
& New York ”,
em 2007.
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