quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Um olhar crítico sobre a perfumaria no Brasil


Por: Chandler Burr

A pedido da Atualidade Cosmética, Chandler Burr, único crítico de perfumes de um grande veículo de comunicação do planeta, faz uma análise de sete perfumes femininos brasileiros. descubra o que ele sentiu e achou sobre essa amostra da produção local (Artigo publicado originalmente na edição 120 - julho/agosto 2011, de Atualidade Cosmética)

"Humor!” (2009, Natura) (foto 1) é a resposta brasileira pra o “Happy”, Clinique – não a fragrância feminina, mas a masculina, que é superior à feminina e um dos melhores perfumes, para ambos os sexos, existente no mercado. “Happy” é uma fragrância americana esportiva que transcende o gênero; ela entrega a sensação “clean” (de “limpeza”) sem aquele cheiro de “sabonete desodorante”, acrescentando-lhe uma fluorescência frutal. Se tangerina e pera fossem cores e você pudesse trasnsmiti-las via ondas de rádio, você seria capaz de ouvir “Happy”.

“Humor! 5” foi criada com a mesma proposta, à exceção do aspecto frutal, mas o problema é dinheiro. Posso até estar errado, porém ele cheira como se a perfumista Magali Lara tivesse um grande plano, mas não pudesse construir a máquina que queria porque a Natura não lhe deu a quantia suficiente de dinheiro para utilizar um maior volume de matérias-primas caras que ela precisaria para construir uma fragrância de nível superlativo. Não estou dizendo aqui que a Natura errou. “Humor!5” pode estar perfeitamente precificado para seus consumidores-alvo. E o perfume fornece uma versão cujo desenho é bem bacana. Porém, cerca de três minutos depois de você borrifá-lo, a qualidade despenca, deixando apenas uma versão química da efervescência clean/tangerina/pera. E aí você se dá conta: a carroçaria dessa fragrância parece a de uma Ferrari, só que a Natura não pagou para colocar um motor Ferrari nela. Sinto que a Água de Cheiro pagou uma quantia similar pelo “Attractive” (2007), (foto 2) que é, igualmente, uma boa ideia que teve pouco dinheiro para ser desenvolvida corretamente. “Attractive” é um interessante new-powder minimalista, pós-moderno em sua rejeição a tudo que possa ser entendido tradicionalmente como “perfume”: não contém flores, nem frutas vermelhas, nada que você possa identificar. E sua suave e interessante “pegada”sintética lembra leite derramado sobre fibras de rayon (NE: seda artificial). Duvido, no entanto, que o perfumista Mariano Cazanave tivesse a intenção de deixar na sua criação esse aspecto químico mal acabado.

No contraponto, “Lily Essence” (foto 3) e “Floratta in Rose Belle” (2006 e 2011, O Boticário) são perfeitamente identificáveis aos florais de masstige contemporâneos, um estilo que dá a você a ideia de uma flor, enquanto removido todo traço de complexidade, profundidade ou de crueza das flores reais. O floral masstige é, na melhor das hipóteses, bonitinho, como uma garota com uma pele boa e limpa, um sorriso brilhante e sem pensamentos brilhantes em sua cabeça, que também é bonitinha: você até topa sair com a moça para tomar uns drinques, mas, não necessariamente, quer sentar do lado dela pelo tempo de um jantar inteiro. Por outro lado, às vezes um murmúrio calmo feminino pode ser a coisa certa. E “Lily Essence” murmura de forma muito agradável.

Uma observação: “Lily Essence” se “afasta” da cena muito mais rapidamente do que o “Attractive”, que tem uma fixação absolutamente notável sobre a pele. Não estou muito certo de como Cazanave conseguiu esse feito, mas sua “máquina” ronrona ininterruptamente por horas, sem nenhuma falha. Fixação é uma qualidade técnica muito difícil e geralmente muito importante, e os perfumistas tentam maximizá-la, porque seus clientes, que pagam pelos perfumes, querem que eles durem.

Infelizmente, “Angico Branco” (2010, Mahogany) (foto 6) é um perfume extremamente persistente, sem ser adorável. O website Beleza Inteligente descreve o perfume assim: “Frutas, flores e madeira - itens perfeitos para perfumar e deixar as mulheres ainda mais interessantes e misteriosas”. Soa muito bem. E segue dando a lista dos ingredientes: “mandarina, bergamota, pêssego, jasmim, rosa, muguet, ameixa, vetiver, musk e baunilha”. Isso ilustra a idiotice que é listar ingredientes com o objetivo de descrever um perfume, uma abordagem tão estúpida como a de descrever um carro listando “aço, vidro, óleo de motor e plástico”. Todos os carros usam esses materiais. O que importa é o carro em si; eu ofereço a você uma escolha entre aço, vidro, óleo de motor e plástico transformados pela Mercedes em uma 500SL ou pela Lada em um Kalina. Faça sua escolha.

Nunca senti o cheiro da madeira de angico, mas parece ser muito interessante, algo com um alto teor de tanino e um gosto amargo. Se fosse assim, eu ficaria surpreso caso a madeira tivesse o aroma de “Angico Branco”, um perfume estranho e desagradável, que, para mim, tem um cheiro entre tinta para móveis de aço e maquiagem. Ele é persistente, difuso, tem excelente estrutura (não se perde e não se deteriora), mas eu ficaria surpreso se encontrasse alguém que dissesse que ele é agradável. Embora, obviamente, tenha sido do agrado do pessoal da Mahogany.

“Perfume do Brasil Priprioca” (2004)  (foto 7) foi criado pelo perfumista Olivier Pescheux, cujos talentos a Diptyque  (NE: legendária marca francesa de perfumes) foi inteligente o suficiente para utilizar em numerosos e surpreendentes trabalhos, traduzidos em perfumes de sutileza encantadora: “L’Eau des Hespérides” e “L’Eau de Tarocco” são obras de iluminismo do século 21. Algumas das matérias-primas foram usadas de forma pura, como teriam sido utilizadas na concepção de um perfume no início do século 19. Por isso são facilmente identificáveis como versões naturais olfativas delas mesmas: essência de canela, como canela; limão, como limão. Contudo, cada uma delas também acaba ficando virtualmente irreconhecível na composição do perfume, emanando luz própria através de lentes de cristal independentes, cada uma com sua própria beleza, de maneira às vezes cortante ou de picante luminosidade, como um citrino que brilha. “Vetyverio”, criado por Pescheux pra a Diptyque, é um dos melhores trabalhos já feitos com a matéria-prima vetiver, uma erva tropical.


Se você for criar um perfume e anunciá-lo como “Feito com óleos essenciais 100% brasileiros (...) e inéditos na perfumaria mundial”, fale, então, sobre priprioca, que “reúne a riqueza das matas e a tradição dos povos da floresta”. Aí, Pescheux é o cara que você está procurando. Seus talentos parecem particularmente perfeitos para trabalhar com a priprioca, uma planta perfumada encontrada apenas na floresta tropical brasileira, que tem aroma de madeira e especiarias. Quiseram um perfumista que pudesse mostrá-la como uma matéria-prima.

Novamente, o problema é que a Natura parece ter calculado que a “riqueza” de seus consumidores era menor do que a “riqueza” da floresta brasileira. E, assim, “Priprioca” é apenas bem feito. Só isso. Sente-se o cheiro de uma certa falta de dinheiro para inclusão dos materiais mais refinados, mas isso talvez não importe, assim como não importa para “Evolution” (2010, L’Acqua di Fiori), (foto 4) a sofisticada “vou fazer compras na cidade” versão de “Priprioca”, ou “vou voltar para a natureza no spa”. Ambos os perfumes falam aos seus consumidores. “Evolution” é uma versão cítrica de “Lily Essence”, e ela cumpre esse papel competentemente, fresca, mas com peso suficiente para ancorá-la à pele. De forma clara, o desejo da L’Acqua di Fiori é dar às mulheres um perfume que deixe os homens com vontade de ficar ao lado delas, mesmo depois que os drinks e o jantar tiverem acabado.

*** Chandler Burr é diretor do Centro de Arte Olfativa do Museu de Artes e Design da cidade de Nova York, EUA. Entre os anos de 2006 e 2010, Burr atuou como crítico de perfume para o jornal The New York Times. Ele também escreveu dois livros acerca da indústria do perfume: “The Emperor of Scent: A True Story of Perfume, Obsession, and the Last Mystery of the Senses”, em 2003; e “The Perfect Scent: A Year Inside the Perfume Industry in Paris & New York”, em 2007.

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